A EFICÁCIA RELATIVA DO CONTRATO DE NAMORO: UM ENSAIO SOBRE OS SEUS DESAFIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

São profícuos os debates acerca dos desafios que se apresentam no contrato de namoro para sua questionável validade e aplicabilidade no ordenamento jurídico. Tais desafios são representados pela ausência de vedação legal, visto que não é instrumento para afastar aspecto de união estável, mas seria uma oportunidade de reenquadrar a união estável em negócio jurídico no intuito de proteger o patrimônio nas relações conjugais.

O conceito da expressão “namoro” em muitos casos preenche os requisitos da união estável, pois, os envolvidos se comportam como se companheiros fossem. Nessa conjuntura, através de um eventual rompimento poderia produzir efeitos patrimoniais não quistos pelas partes. Na tentativa de evitar que seja aplicada a consequente partilha dos bens adquiridos na constância da relação, as pessoas têm realizado “contratos de namoro” como forma de reajustamento da união estável em ato-fato ou negócio jurídico, pelo exercício da autonomia da vontade pactuando o que lhes convém dentro da relação conjugal.

Na prática, a distinção entre namoro ou união estável é complexa, vejamos que tanto os requisitos de união estável podem estar presentes em casos de quem firmou um contrato de namoro expresso, quanto o inverso também é possível, poderá existir declaração de união e os requisitos para esta configuração serem de um mero namoro, por ausência de animus.

Decerto, é uma situação intrigante. Isto, porque se os pares decidiram por realizar um contrato de namoro, deveria valer a vontade das partes em desfavor da união estável, nesse caso a autonomia perde espaço para normas de família que em essência são de ordem pública.

Sob o enfoque jurídico, namoros são desprovidos de consequências jurídicas, a legislação pátria não estabeleceu parâmetros de caracterização entre união estável e namoro, conferindo a doutrina e a jurisprudência na competência da construção desses elementos específicos. Distinção essa, realizada pela jurisprudência através identificação do animus de constituir família, como se pode observar no julgamento do

REsp 474.962/SP1, o relator assevera que seria indispensável nova análise do acervo fático-probatório para concluir que o envolvimento entre os interessados se tratava de mero passatempo, ou namoro, não havendo a intenção de constituir família (Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, DJ 01/03/2004, p.186).

Expõe Rodrigo da Cunha Pereira, que namoro é o relacionamento entre duas pessoas sem caracterizar uma entidade familiar (Tratado de direito das famílias, IBDFAM, 2015, p.202). Em detrimento de uma intenção de família para o futuro, apontar o ânimo atual de família, torna-se uma tarefa confusa.

As normas de Direito de Família estão diretamente relacionadas ao direito existencial, possui aplicação obrigatória e não podem ser afastadas pela vontade das partes, disso surge um dos primeiros empecilhos para que o contrato de namoro tenha validade jurídica, um contrato não possui força para criar, modificar ou extinguir direitos.

O real propósito do contrato de namoro surgiu com a pouca confiança entre as pessoas que se relacionam e já sofreram prejuízos materiais, em decorrência disso hoje querem proteger seu patrimônio a todo custo. Pablo Stolze fundamenta a esse respeito:

Esse tipo de contrato é completamente desprovido de validade jurídica. A união estável é um fato da vida, uma situação fática reconhecida pelo Direito de Família que se constitui durante todo o tempo em que as partes se portam como se casados fosse, e com indício de definitividade.

E jurisprudências também têm afastado os efeitos do chamado contrato de namoro, vejamos decisão do TJ/SP na Apelação 1025481-13.2015.8.26.05542, nesse sentido:

A impossibilidade jurídica do pedido decorre da ausência de previsão legal que reconheça o denominado ‘contrato de namoro’. A preocupação dos requerentes, notadamente a do autor, no sentido de encerrar a relação havida de modo a prevenir outras demandas, não basta para pedir provimento jurisdicional, desnecessário para o fim colimado.

1 Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/199898/recurso-especial-resp-474962-sp- 2002-0095247-6, acessado dia 04/05/2019.
2 Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/355995849/apelacao-apl- 10254811320158260554-sp-1025481-1320158260554/inteiro-teor-355995892?ref=juris-tabs, acessado em 04/05/2019.

Nesse diapasão a jurisprudência considerou inadmissível a dissolução do contrato de namoro por impossibilidade jurídica e falta de interesse processual.

Conforme aduz, Carlos Roberto Gonçalves, o contrato de namoro possui eficácia relativa, pois união estável é, como já enfatizado, um fato jurídico, um fato da vida, uma situação com reflexos jurídicos, mas que decorrem da convivência humana. (Direito de Família, Saraiva, 2011, v.6, p. 641).

Este é um tema muito controverso, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, devendo ter o entendimento de que o que está previsto expressamente em lei, ainda mais matéria de ordem pública não será invalidado ou camuflado por um simples contrato. Além de insegura, a linha majoritária em análise não privilegia a autonomia dos atores envolvidos no relacionamento, que poderiam ter em suas mãos as rédeas da sua vida privada.

Portanto, caberá ao magistrado a análise do caso para captar se aquela relação é um namoro ou uma união estável, se estão presentes a convivência pública, contínua e duradoura entre desimpedidos e animo de constituir família no contrato de namoro, consoante art. 1.723 do Código Civil, nenhum negócio jurídico teria o atributo de impedir a sua qualificação, passando a ser o contrato de namoro nulo, por predispor desistência a direitos essenciais que são irrenunciáveis, conforme dispõe o art. 166, VI, do Código Civil.

Por fim, diante do impasse para distinguir União estável de mero namoro, se os consortes mantêm relação apenas na disposição de se conhecerem, sem o animus familiae, o contrato de namoro seria um documento capaz de não gerar os efeitos de uma provável partilha de bens que uma união estável ou um casamento traz, blindando dessa forma os bens patrimoniais diante da relação conjugal.

REFERÊNCIAS

STOLZE, PABLO; PAMPLONA FILHO, RODOLFO. Manual de Direito Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2017,
p. 1.239, v. único.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 6, p.

641

202.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFAM, 2015, p. BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11

jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 04/05/2019.

Nanci Gomes Valentim

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